sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Thich Nhat Hanh: "Milagre é andar sobre a Terra."

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Meditação andando é praticar meditação enquanto caminhamos.

Na nossa vida diária, somos normalmente pressionados a ir em frente. Temos que ir depressa. Raramente nos perguntamos para onde devemos ir com tanta pressa.
Quando você pratica meditação andando você sai a passeio. Não tem objetivo nem direção no espaço e tempo. O objetivo da meditação andando é a própria meditação andando. Importante é o ir, não o chegar. A meditação andando não é um meio para um fim, ela é um fim.

Meditação andando é aprender a caminhar outra vez [...]. Quando você tinha em torno de um ano de idade, você começou a andar com passos vacilantes. Agora, praticando a meditação, você está aprendendo a andar de novo.

Caminhe de tal forma que seus passos imprimam sobre a terra apenas as marcas da liberdade, alegria e serenidade. [...] Esse é o segredo da meditação andando.

Para merecer a Terra Pura¹, você tem que ser capaz de dar seus passos tranquilamente, livre de ansiedade, aqui e agora, nesta samsárica² terra.

Estou certo de não ofender a Buda ou a Deus se contar um segredo: se você conseguir dar passos cheios de paz e livres de ansiedade enquanto caminha sobre esta terra, não haverá necessidade de você ir para a Terra Pura ou para o Reino de Deus.
Por uma simples razão: tanto Samsara como a Terra Pura são criados pela mente.

Para você praticar meditação andando, escolha um caminho agradável num parque, numa floresta, ou à beira de um rio, ou mesmo no último patamar de um edifício. Esses lugares são os melhores, mas não são essenciais. Sei de gente que pratica meditação andando em campos de trabalho forçado e até mesmo em minúsculas celas de prisão.

Na entrada da sala de meditação de um certo templo Zen, existe uma grande pedra com a seguinte inscrição: 'Bo bo thanh phong khoi', que quer dizer: 'Cada passo é uma brisa que nasce'.

Esteja consciente de sua respiração; isso também irá nutrir seus passos. Conscientizar-se da respiração é uma forma eficaz e maravilhosa de conservar sua mente alerta e sua paz.

Seu leve sorriso e seus passos serenos são como pérolas, claras e brilhantes. São lindas mas estão separadas.
A respiração é o fio que junta uma à outra, formando um colar.

Respirar conscientemente é diferente de respirar inconscientemente. [...] Talvez você pergunte: 'Como posso prestar atenção na respiração e no andar ao mesmo tempo?'. Você pode, desde que sincronize a respiração com os seus passos. Você pode fazer isso contando não a respiração, mas os passos. Isto é, conte quantos passos você dá enquanto está inspirando e quantos, enquanto está expirando. Este é o método que comecei a usar há quinze anos e o estou partilhando com você agora.
 Ande mais devagar do que de costume, mas não devagar demais, enquanto respira normalmente. Não tente controlar sua respiração. Caminhe assim por alguns minutos. Anote [mentalmente; N.R.] então quantos passos você dá enquanto o seu pulmão se enche de ar e quantos, enqunto ele se esvazia. Dessa forma, sua atenção inclui respiração e passos. Você está consciente de ambos. A contagem é a ligação.

A expiração pode ser mais longa que a inspiração, especialmente para os que estão começando a praticar. Depois de um tempo de observação, você poderá determinar o ritmo natural de sua respiração em relação aos seus passos.

Não é pregando ou explicando os sutras³ que você realizará a tarefa de despertar o próximo para a autoconscientização, mas sim, pela forma como você anda, pela forma como se senta, pela forma como vê as coisas.     

Meu caro amigo, você não quer tentar caminhar desse jeito pelo bem do nosso mundo?


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NOTAS
[1]  Sobre o conceito de Terra Pura, nos diz Ricardo Mário Gonçalves: "A realização Suprema, expressa simbolicamente como uma morte (do ego) seguida por um renascimento (do Eu Supremo) na Terra Pura ou mundo do Absoluto." [In: Textos Budistas e Zen-Budistas; p. 222, nota 102]. Em um sentido menos filosófico e mais estreito, compara-se ao Paraíso cristão, passível de ser alcançado, por merecimento, apenas após a morte física. A crença em uma Terra Pura pertence apenas a uma das inúmeras vertentes e/ou escolas budistas, o Amidismo ou Budismo Devocional, caracterizada pelo culto à Amida e pela recitação do Nembutsu, "recitação da frase [ou mantra] Namu Amida Butsu, que expressa o ato de entrega ou refúgio incondicional do praticante em Amida ou no Absoluto" [Ricardo M. Gonçalves; op cit, pp. 222-3, nota 103]. Sendo Thich Nhat Hanh monge da Escola Zen, explica-se em seu texto a afirmação que nega a dualidade entre a Terra Pura e este mundo, conforme se nos apresenta.
[2] Qualidade correspondente à Samsara: "transmigração e perambulação; o ciclo de morte e renascimento", ou ainda: "o ciclo de nascimento, morte e renascimento", tanto dos seres vivos quanto "a morte e renascimento das contaminações (kilesa) dentro da mente" [Cf. o Glossário dos Termos Budistas em Páli]. Em termos mais diretos, o oposto do Nirvana.
[3] Ainda cf. o Glossário de Termos Budistas em Páli, "discurso ou sermão do Buda ou seus discípulos".
 


Fonte do texto [trechos] e da foto de Thich Nhat Hanh:


Thich Nhat Hanh; Meditação Andando - Guia Para a Paz Interior. Petrópolis: Vozes, 1991. Prefácio e tradução de Odette Lara.

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Thich Nhat Hanh

Hui-neng: "Desde o princípio nada é."


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"Não há árvore Bodhi,
nem o cessar do brilho do espelho.
Sendo tudo vazio, onde
poderia assentar o pó?" 


Hui-neng 
[638-713]
Sexto Patriarca zen


 ~

Gãthã escrito por Hui-neng em resposta ao gãthã de Shen-hsiu:

"Este corpo é a árvore Bodhi,
A mente é como um espelho iluminado;
Empenhai-vos em mantê-la sempre limpa
Sem deixar que nela se junte o pó."

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Fonte:


SUZUKI, Daisetz Teitaro. A Doutrina Zen da Não-Mente. São Paulo: Editora Pensamento, 1993.

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Imagem
Hui Neng The Sixth Patriarch (Hui Neng) Tearing up the Sutra Hanging Scroll, ink on paper, 73 x 31.7 cm. Collection of Mitsui Takanaru, Tokyo  
Fonte
Bancroft, Anne. Zen: Direct point to reality. Londres: Thames and Hudson, 1979.

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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O pastoreio do touro

I - Procurando o touro

II - Encontrando a pista

III - Primeiro vislumbre do touro

IV - Segurando o touro

V - Domesticando o touro

VI - Indo para casa montado no touro

VII - O touro esquecido, o eu sozinho

VIII - O touro e o eu são esquecidos

IX - Voltando à origem

X - Entrando na praça do mercado com as mãos de ajuda

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O Pastoreio do Touro, sequência em dez quadros de autoria  do mestre zen Kaku-as Shi-en, que viveu na China à época da Dinastia Sung [960-1279]


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"Kaku-as Shi-en não foi o primeiro que tentou ilustrar, por meio de quadros, etapas da disciplina zen pois, em seu prefácio geral dos quadros, refere-se a outro mestre zen, Seikyo, que empregou o touro para explicar seu ensinamento. No caso de Seikyo, o desenvolvimento gradual da vida zen era indicado em cinco quadros, mediante um progressivo branqueamento do animal, que terminava com o desaparecimento de todo o ser.
Kaku-as julgou que terminar com o círculo vazio constituía um erro, pois a partir disso se poderia julgar o mero vazio como de importância total e finalidade da doutrina zen [...]."

Fonte das imagens e texto:
"Zen-budismo"; edição especial da revista Planeta; janeiro de 1984.

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